Fonte: Luis Flávio Pinto/Viomundo
A nova frente de produção que a Vale está abrindo em Carajás,
no Estado do Pará, é superlativa. Trata-se do maior investimento da mineradora
em toda a sua história, de 70 anos. Quando os 19,7 bilhões de dólares (em torno
de 40 bilhões de reais) tiverem sido inteiramente aplicados, a mina de Serra
Sul estará em condições de acrescentar 90 milhões de toneladas anuais à
produção da ex-estatal. Com duas outras expansões na área, a província mineral
de Carajás passará de 120 milhões para 250 milhões de toneladas por ano de
minério de ferro.
Isso acontecerá em 2017, quando o
Pará passará à frente de Minas Gerais como a maior fonte de minério de ferro da
antiga Companhia Vale do Rio Doce. Será mais do que a relação de 250 milhões
para 200 milhões de toneladas de produção entre os dois principais Estados
mineradores do Brasil.
O minério de Carajás é mais rico
e mais fácil de extrair. Com a exaustão de algumas jazidas de Minas, a Vale
terá que se aventurar no seu Estado de origem pelo itabirito, minério mais duro
e pobre, para manter a escala de produção.
A diferença mais importante,
porém, é o destino da produção. Carajás consolidará a posição da Vale de maior
vendedora interoceânica de minério de ferro do mundo. Seu minério, com teor de
hematita superior a 66%, tem mercado garantido no exterior, enquanto o produto
de Minas será cada vez mais destinado a abastecer o mercado nacional. Carajás
será a principal mina de atendimento internacional que existe.
Daí a dimensão extraordinária do
projeto de expansão. Enquanto a primeira jazida levou alguns anos para chegar
ao seu tamanho de projeto, de 25 milhões de toneladas, S11D dará partida já com
90 milhões de toneladas na bitola.
A partir do início das obras de
terraplenagem, que aconteceu no começo deste mês, essa meta será atingida em
apenas quatro anos, graças às inovações e à diretriz de investir maciçamente no
empreendimento, 30% maior do que o custo da polêmica hidrelétrica de Belo
Monte.
O mundo tem pressa de se servir
de um minério rico, fácil de extrair e de custo proporcionalmente inferior ao
de qualquer outra mina das mesmas dimensões, em valores absolutos, embora sem o
mesmo teor. Por isso, imune – ou, pelo menos, bem protegido em relação – às
flutuações previstas para o setor pelos próximos anos. Uma fonte cativa para os
grandes consumidores de minério, sobretudo as siderúrgicas asiáticas, à frente
a China.
Mas isso interessa realmente ao
Pará e ao Brasil? Numa entrevista que deu ao Valor, o geólogo Breno
Augusto dos Santos, o primeiro a identificar o minério de ferro de Carajás, em
31 de julho de 1967 (cujos 46 anos da descoberta motivaram o interesse do
jornal paulista), observou: “Se Carajás fosse na China, na Coréia ou na
Alemanha, de lá estariam saindo automóveis, locomotivas ou computadores”. E
logo acrescentou: “Mas essa não é uma função da Vale”.
Não é mesmo? Este é o aspecto
chave da questão. A Vale se livra das responsabilidades pela exploração de
minério bruto alegando ser apenas uma mineradora. Outras empresas deviam cuidar
do beneficiamento. E o governo, principalmente, devia exercer o seu papel de
fomentador desses investimentos.
A empresa não tem culpa se as
outras partes não fazem o que lhes cabe. Daí a inexpressividade dos rendimentos
que uma atividade de tão grande porte proporciona ao Pará.
O Estado não tem agregação de
valor à sua riqueza natural e ainda é privado da receita tributária que essa
atividade devia lhe oferecer, por causa da imunidade conferida às matérias
primas e produtos semiacabados pela nefanda “lei Kandir”, de autoria do então
deputado e economista de São Paulo, que lhe emprestou o nome.
Não é bem assim. O Programa
Grande Carajás foi induzido pela então estatal CVRD durante o início do governo
Figueiredo, o último do regime militar, a partir de 1980. Interessava à empresa
ter um prospecto de aproveitamento econômico mais amplo, que valorizasse e
legitimasse a concessão federal dada à ferrovia de Carajás.
Fazendo uma análise retrospectiva
do “Carajazão”, delegado a um conselho interministerial, diretamente
subordinado à presidência da república, pode-se chegar à conclusão de que foi
um foguetório de ilusão, uma espécie de para-raios e habeas corpus a um projeto
de mera extração mineral. Um boi atirado às piranhas para permitir a passagem
da boiada de minério.
Mesmo com a Vale estatal já era
difícil ao governo exercer controle sobre os impulsos da empresa e a teia dos
seus interesses internacionais, criados, confirmados e cultivados por seus
agentes, uma autêntica tecnoburocracia cosmopolita (cujo modelo é Eliezer
Batista, o pai de Eike).
Essa lacuna se acentuou com a
privatização. Tornou-se mais nítida a distinção entre os negócios feitos pela
empresa no exterior e os interesses nacionais. Mais do que distinção, o
antagonismo.
Ficou evidente o interesse da
Vale em agradar aos seus grandes clientes chineses, japoneses e de outros
países, sem os quais sua grandiosidade estaria comprometida. A empresa passou a
atuar como viabilizadora desses interesses na medida em que se restringia à
extração mineral em escala crescente para a exportação.
Adaptando a frase de Breno,
pode-se dizer que nenhum governo na China, Coréia e Alemanha permitiria que uma
empresa de mineração crescesse de forma a exercer controle total sobre o
circuito da extração, transporte e exportação de matéria prima bruta, como faz
a Vale no Brasil.
É por isso que sua parte de
logística cresceram para dar suporte à sua atividade de mineradora. Ela se
agigantou ainda mais, num esquema que tem proporcionado mais divisas ao país,
como nunca, mas à custa da exaustão de uma riqueza natural não renovável, como
o minério de ferro.
Tente-se calcular
quanto o Brasil perdeu por não ter feito o beneficiamento do minério de ferro
de Carajás. Um cálculo simples levará a muitos bilhões de dólares em quase 30
anos de extração maciça de minério bruto, que, no caso, é quase sinônimo de
minério puro, tal a riqueza de hematita contida na rocha de Carajás.
Para se ter uma ideia
da grandeza do novo capítulo que se inicia em Carajás, basta considerar que a
Serra Sul possui 10 bilhões dos 18 bilhões de toneladas estimados de reserva,
com teor médio de 66,5% de ferro. O primeiro corpo a ser lavrado nessa
mineração, que leva a letra D do título do projeto, acumula 4,2 bilhões de
toneladas, com nove quilômetros de extensão, a uma profundidade de até 250
metros.
Ao ritmo previsto, a
jazida terá 40 anos de vida útil. Ao fim desse período, a maior mina de ferro
do planeta será só lembrança – amarga e frustrante por certo, para os nativos.
Chegará ao fim sem motivar qualquer reação dos paraenses, que veem o buraco ser
aberto sem usufruir o melhor que o minério lhes poderia dar.
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