Para empresários, definição moderniza
legislação trabalhista, mas sindicatos entendem que ela pode legalizar o
trabalho precário
SÃO
PAULO - A proposta de regulamentação dos contratos de mão de obra terceirizada,
em discussão na Câmara dos Deputados, virou alvo de acirrada disputa entre
entidades patronais e centrais sindicais.
Enquanto
empresários dizem que a definição de normas claras na contratação de trabalhos
terceirizados é essencial no processo de modernização das leis trabalhistas e
melhora do ambiente de negócios, os sindicalistas dizem que o projeto legaliza
e amplia a precarização do trabalhador terceirizado.
Sem
lei específica, essas relações de trabalho costumam acabar na Justiça, atolando
os tribunais. São mais de 10 milhões de trabalhadores terceirizados no Brasil,
que representam 22% da força de trabalho formalizado do País - considerados
somente aqueles que têm carteira de trabalho assinada.
Um
dos principais pontos de discórdia é a terceirização das chamadas
atividades-fim (caracterizadas como a finalidade principal do negócio), que
será legalizada caso o projeto vire lei. Assim, bancos poderiam terceirizar
bancários da mesma forma que hospitais terceirizariam médicos, só para citar
dois exemplos. Hoje, o único instrumento no País que regula a terceirização do
setor privado é a Súmula 331, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que
proíbe a terceirização para a atividade-fim da empresa.
O
TST só admite terceirização para atividades-meio e serviços complementares,
como vigilância, alimentação, conservação e limpeza.
Para
Wagner Freitas, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), a proposta
na Câmara tenta regularizar a "intermediação fraudulenta da mão de
obra", principalmente ao permitir a terceirização de quaisquer atividades
da empresa. "Qualquer trabalhador empregado hoje de maneira tradicional no
País poderá ser demitido ou subcontratado por alguma empresa criada
provavelmente pela mesma empresa em que ele trabalha, só que em condições
inferiores, salário menor e jornada maior", afirma Freitas.
Sylvia
Lorena Teixeira, gerente de relações do trabalho da Confederação Nacional da
Indústria (CNI), afirma que o projeto dá agilidade à empresa numa economia
globalizada e estabelece limites à terceirização. Embora permita terceirizar
quaisquer atividades, ele define que a empresa contratada precisa ser
especializada, e que isso deve ser comprovado mediante outros serviços
prestados ou pelo seu objeto social único, cita a representante patronal.
"A
decisão do que terceirizar deve ser da empresa, de acordo com sua
competitividade e necessidade", defende Sylvia. "Quando a súmula do
TST diz que só pode terceirizar atividade-meio, além de trazer uma limitação
que pode ser um óbice à competitividade e produtividade das empresas, ela
incentiva os conflitos judiciais questionando o que é atividade-fim e o que é
atividade-meio, gerando mais insegurança."
Elaborado
em 2004 pelo deputado e empresário do setor de alimentos Sandro Mabel, o
Projeto de Lei (PL) 4.330, que regulamenta a terceirização, tem origem no PL
4.302, de 1988, foi retirado da pauta pelo governo do ex-presidente Luis Inácio
Lula da Silva, após mais de cinco anos de tramitação.
Protestos. As
centrais retomam a mobilização para tentar impedir que a emenda seja aprovada
da forma como foi apresentada. Já conseguiram adiar a votação, que estava
agendada para a segunda quinzena do mês passado, para a próxima terça-feira.
Até lá, tentam negociar um acordo que garanta os direitos dos terceirizados e evite
a precarização das relações de trabalho, em mesa quadripartite formada por
representantes das centrais, governo, parlamentares e empresários.
Se
aprovado, o Senado passaria então a analisar o tema, que precisará ainda da
sanção presidencial para virar lei.
Dentre
as questões mais nevrálgicas, os sindicalistas querem que a relação entre
empresas contratantes e prestadoras de serviços seja solidária. Isso significa
que a tomadora e a prestadora de serviços se responsabilizem pelas obrigações
trabalhistas e previdenciárias.
O
projeto prevê que essa relação seja subsidiária, em que as contratantes só
poderiam ser acionadas na Justiça caso a prestadora de serviços deixe de pagar.
Isso leva o trabalhador a demorar mais tempo para receber seu dinheiro, porque
primeiro ele precisa esgotar todas as possíveis medidas para receber da
prestadora de serviços.
O
texto permite que a responsabilidade passe a ser solidária quando a empresa
contratante não fiscalizar o cumprimento das obrigações da contratada.
Para
o ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do TST Almir Pazzianotto, hoje
consultor, o Brasil precisa é de uma lei objetiva capaz de retirar a
terceirização do Judiciário.
"Deveríamos
resolver definitivamente que a empresa deve ter liberdade para terceirizar e que
ela é responsável solidária diante dos empregados do prestador de
serviços", diz. Pazzianotto acha que essa seria a melhor maneira de fazer
com que o tomador fiscalize o prestador de serviços, porque "é ele que vai
segurar o rojão".
Em
algumas situações a terceirização parece inevitável até mesmo para
sindicalistas. "Mas queremos uma regulamentação que garanta igualdade de
direitos trabalhistas entre os funcionários da empresa contratante e os da
terceirizada", defende o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP),
presidente da Força Sindical.
Na
defesa do texto do projeto, o deputado e vice-presidente da Confederação
Nacional do Comércio (CNC) Laércio Oliveira (PR-SE) diz que a proposta
viabiliza a segurança e o respeito aos direitos de todas as partes envolvidas.
"A terceirização é uma tendência irreversível e é muito melhor construir
agora pilares que deem segurança a essa relação do que ficar nesse conflito.
Daqui a um ou dois anos, a gente volta a discutir", argumenta.
Para
o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese),
uma solução ‘a meia boca’ não resolve o problema. "Os trabalhadores vão
continuar indo para o pau e a Justiça vai continuar julgando predominantemente
contra as empresas, que continuarão com insegurança", afirma Clemente Ganz
Lucio, diretor técnico do Dieese.
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