Fonte: Revista Veja
Por seu tamanho e
importância a Vale é um estado dentro do estado. Com receita anual de 92 bilhões
de reais e em operação em amais de
trinta países, a mineradora
sozinha responde por 10,5 % das
exportações brasileiras. Como toda
grande companhia ela dispõe de um setor de segurança e inteligência
empresarial. Do 20 º andar do edifício sede , no centro do Rio, 200 pessoas comandam outras 3000 espalhadas
pelo país. Sua missão é evitar
roubos e ataques as instalações , alem
de rastrear e prevenir fraudes-
tudo de forma discreta para não arranhar
a imagem da estatal. É uma área ultrassensível
, na qual desembocam os mais incômodos
segredos da corporação. Nas ultimas semanas alguns deles começaram a
vir a luz pelas mãos de um ex gerente de contratos do setor, Andre Almeida, 40
anos. Almeida afirma que sua equipe grampeou
funcionários e investigou jornalistas para apurar fraudes e vazamentos de informações e infiltrou agentes em movimentos sociais que assombraram a Vale. Veja conversou com o ex-gerente e teve acesso
a fotos, relatórios e planilhas que ele entregou ao Ministério Publico
Federal. Muito dos fatos revelados são
conhecidos dos funcionários, que falaram a Veja sob garantia do anonimato. Eles
confirmam que a área de segurança de uma das maiores empresas privadas do país
atuou, durante anos como central clandestina de arapongagem.
Demitido em março de 2012
por uso indevido do cartão corporativo da Vale, Almeida não se limita em
produzir uma peça contra ex-chefes e colegas. Ele também se incrimina de forma
incontrolável. “Acompanhei pessoalmente a instalação de grampos nos aparelhos
telefônicos de dois funcionários - uma em 2005, a outra em 2008”, conta. Foi incumbido
da tarefa por Ricardo Gruba ex colega de turma dos tempos de Exercito e
diretor de segurança da Vale. Almeida, que trabalhou com Gruba por oito anos,
diz que os dois não eram os únicos ex-militares baseados no Rio: havia outros
100, alguns deles ex-agentes da
Abin. Apelidados de X9-alcaguetes, no
jargão da criminalidade-, eles também escoltavam visitantes especiais, como o
ex ministro da Casa Civil. Jose Dirceu, (consultor da Vale na gestão de
Agnelli) e o então tesoureiro do PT, Delubio Soares.
A missão mais espinhosa do ex-agente
foi levada a cabo na madrugada de um dos primeiros dias de 2008. Almeida e dois
homens de uma firma especializada entraram na sala de um gerente geral de
imprensa, Fernando Thompson. Em dez minutos, abriram o telefone do colega,
instalaram o grampo e sumiram. O objetivo, diz ele, era checar se o chefe da
impressa estava repassando aos jornalistas informações sigilosas sobre as
negociações para compra da mineradora suíça Xstrata- transação de 90 bilhões
que Agnelli apostava todas as fichas. Detalhes
começaram as espocar nos jornais, e o CEO ficou tão irritado que enviou uma carta aos conselheiros da Vale
advertindo-os que um vazamento seria crime passível de prisão. A compra da
Xstrata naufragou dois meses depois. O grampo também não deu em nada, procurado
Thompson preferiu não comentar o caso.
Monitorar contas de emails e
contas de telefones corporativos é lícito e comum em organizações grandes e
complexas. Na Vale, os recém chegados
assinam inclusive um documento em ceder tais informações. Mas gravar conversas
de funcionários é ilegal. “Toda empresa tem o dever e obrigação de proteger seu
patrimônio, mas não pode lançar mão de espionagem. Isso é violação de
privacidade, crime previsto na Constituição” explica o advogado e ex-desembargador
do trabalho Caio Vieira de Mello. O mesmo se aplica aos movimentos sociais que
a Vale vigiou. “ O contrario configura do direito a livre manifestação “
esclarece o advogado.
A Vale passou ao largo de
tudo isso. Em certos momentos, nem disfarçava
o clima de desconfiança. Entre 2006 e 2008 pairou como uma sombra da
empresa a figura de um ex-coronel do Shin Bet, agencia de inteligência de
Israel, que interrogava gerentes e diretores com perguntas enigmáticas e ate
pessoais, sem dizer o motivo. “Era uma fase de muita paranoia. Se o Roger visse
uma mínima protuberância no carpete, ele ordenava uma varredura na sala” lembra Almeida. Mais de vinte integrantes do
alto escalão deixaram a companhia ou foram demitidos. Pelo menos um caso teve
relação com os grampos: a saída do diretor de logística Guilherme Laager. Veja
ouviu dois ex-diretores e um ex-conselheiro, que afirmam ter sido informado de
seu monitoramento. Um deles ate ouviu um
dos diálogos interceptados, em que Laager
comenta transações na bolsa de valores com amigo e subordinado Francisco
Nunes Naves. Ao saber da gravação, ele deixou a Vale, em outubro de 2006. A
amigos, Laager contou ter relatado a história de um colega. E era Murilo Ferreira,
hoje presidente da empresa- que confirma a conversa, mas nega que se tenha
falado sobre grampos.
Alem de diretores, uma
dezena de organizações sociais, que davam dor de cabeça a Vale estava na mira
dos “X9”, que pagavam os terceirizados para morar em acampamentos, filmar reuniões,
identificar lideres, e antecipar seus passos. Um desses homens produziu relatórios
com fotos de encontros do Movimento dos Atingidos pela Vale ,em Minas Gerais.
Outro agente, de codinome Braz, simulava engajamentos em reuniões do MST, que
promovia atos de vandalismo contra empresa em todo o país. Um desses ataques no
Pará foi filmado em meio a gritos, pedras e machados lançados contra os vagões
da companhia. O vídeo do infiltrado, como ficou conhecido, foi visto por
diretores e membros do comitê de gestão de crise. Sempre que se queria lembrar
que a Vale era vitima e não algoz dos sem terra a gravação voltava a ser
exibida.
O depoimento do ex-gerente
ao MP sugere que a espionagem se intensificou nos últimos anos da era Agnelli,
que durou de 2001 ate 2011. Eram tempos de aquisições e resultados
espetaculares, mas também de muito atrito com o PT e o governo federal. Agnelli
afirma que não sabia de nada e jamais autorizaria algo ilegal. Ao assumir o
comando, Murilo Ferreira cindiu a área de segurança, deixando Gruba, o chefe da
grampolândia, a cargo da divisão de saúde e segurança ocupacional. Mas ao que
parece, a maquina não foi desativada. Em fevereiro de 2012, pouco antes de sair
da Vale, o ex-gerente de contratos diz que ainda autorizou o pagamento de 11000
reais pelo grampo em um funcionário que estaria fraudando uma licença médica. Questionado, o CEO da Vale foi categórico: “Não
compactuo com esse tipo de coisa.” Uma auditoria interna apura as denúncias.
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