Orientações para as empresas adotarem medidas para prevenção do surto de coronavírus



Coronavírus e a MP 927/2020
                               

 Como é público e notório, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou no último dia 11/03/2020 a pandemia de COVID-19, doença causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2), e que tem sensibilizado o mundo inteiro, seja em razão do seu alto índice de transmissão e contágio, seja em razão da preocupante mortalidade associada à doença.
 
Tanto o é que foi publicado em edição extra do dia 20/03/2020 o Decreto Legislativo 06/2020 que reconhece a ocorrência do estado de calamidade pública no Brasil.
 
Diante disso, e em vista do estado emergencial vivido, e com fins de preservação do emprego e combate à pandemia de COVID-19, foi publicada a Medida Provisória 927 no dia 22 de março de 2020, dispondo sobre questões trabalhistas para melhor enfrentamento da pandemia.
 
Em síntese, a MP 927/2020 apresenta medidas aplicáveis aos trabalhadores urbanos e rurais, aos temporários nos termos da Lei 6.019/1974, e aos domésticos no que couber, exclusivamente no período em que perdurar o estado de calamidade pública, quais sejam:
 
Teletrabalho
 
O teletrabalho, previsto pelos artigos 6º, 62, inciso III, e 75-A e seguintes da CLT, teve algumas de suas regras flexibilizadas pela MP 927/2020.
 
Dentre elas, está a dispensa da anuência do empregado para a migração do regime de trabalho presencial para o teletrabalho, devendo ser observado, apenas, a notificação prévia do empregado, pelo prazo de 48 horas, para a alteração dos regimes – prazo que pode, inclusive, ser reduzido ou dispensado, em caso de anuência do empregado.
 
Além disso, a despeito da previsão contida na CLT, a MP 927/2020 autorizou que os termos e condições do teletrabalho sejam formalizados, por escrito, no prazo de 30 dias após a alteração do regime.
 
Como já anteriormente previsto, o teletrabalho permanece enquadrado na exceção do artigo 62, inciso III, da CLT, de modo que os empregados ativados nesse regime não se submetem à fiscalização e controle de jornada de trabalho.
 
Nesse sentido, também não se aplica a esses empregados as regulamentações sobre trabalho em teleatendimento e telemarketing, conforme artigos 227 e seguintes da CLT.
 
Antecipação de Férias Individuais
 
O prazo de 30 dias, previsto pela CLT para a comunicação das férias individuais, também foi reduzido para 48 horas, sendo que as férias também poderão ser concedidas, ainda que o empregado não tenha atingido o respectivo período aquisitivo, devendo-se priorizar a concessão de férias aos empregados pertencentes ao grupo de risco da COVID-19.
 
Caso as férias já tenham sido comunicadas ao emprego, a MP 927/2020 também prevê a possibilidade de antecipação das férias, mediante acordo individual escrito, o que, por evidente, pressupõe anuência do empregado.
 
Outro prazo que foi flexibilizado pela MP 927/2020 diz respeito ao pagamento das férias, que poderá ser efetuado até o quinto dia útil do mês subsequente ao início das férias, e não com a antecedência de 2 dias ao seu início, como determina o artigo 145 da CLT.
 
O acréscimo de um terço sobre as férias (artigo 7º, inciso XVII, da Constituição Federal), por sua vez, poderá ser pago separadamente das férias em si, e até o dia 20/12/2020.
 
Durante o estado de calamidade, a concessão do Abono Pecuniário, que representa a conversão em dinheiro de 1/3 dos dias de férias a que o empregado tem direito, também deixa de ser faculdade exclusiva do empregado, passando a depender da anuência do empregador.
 
Por fim, e exclusivamente no que diz respeito aos profissionais da área de saúde, ou daqueles que exerçam funções essenciais (tal como previsto pelo Decreto Federal 10.282/2020), as férias ou licenças não remuneradas, ainda que já previamente comunicadas, poderão ser suspensas por ato exclusivo do empregador, mediante notificação do empregado, preferencialmente, com antecedência de 48 horas.
 
Férias Coletivas
 
Outra opção trazida pela MP 927/2020 diz respeito às férias coletivas.
 
Durante o estado de calamidade pública, o empregador poderá conceder férias coletivas aos seus empregados (ou grupo de empregados), bastando notificar os empregados afetados com um prazo mínimo de 48 horas.
 
A MP 927/2020 também flexibilizou o limite mínimo de 10 dias corridos de férias, bem como o fracionamento máximo de 2 períodos para a concessão de férias coletivas, dispensando sua aplicação para as férias coletivas concedidas no atual estado de calamidade pública.
 
Todavia, é importante que o empregador defina, com precisão, qual o período das férias coletivas, já que não apenas deverá comunicar os empregados, mas também realizar o seu pagamento.
 
No particular, aplicam-se também as mesmas regras definidas para o pagamento das férias individuais: até o quinto dia útil do mês subsequente ao início das férias, com o pagamento do terço constitucional de férias até o dia 20/12/2020.
 
Por fim, fica dispensada a comunicação ao órgão local do Ministério da Economia e ao Sindicato da Categoria Profissional dos empregados.
 
Aproveitamento e Antecipação de Feriados
 
Os feriados federais, estaduais, distritais e municipais, também poderão ser concedidos de forma antecipada durante o estado de calamidade pública, devendo o empregador notificar seus empregados com antecedência mínima de 48 horas, bem como indicando expressamente quais os feriados aproveitados e antecipados.
 
A única exceção, neste particular, diz respeito aos feriados religiosos, os quais somente poderão ser antecipados e aproveitados mediante a concordância do empregado, com manifestação em acordo individual escrito.
 
Outro ponto trazido pela MP 927/2020 diz respeito à utilização dos feriados (novamente, à exceção dos feriados religiosos, que dependem da anuência do empregado) para compensação de saldo em banco de horas já pactuado e existente.
 
Banco de Horas
 
O Banco de Horas, até o advento da Lei 13.467/17 (“Reforma Trabalhista”), dependia necessariamente da negociação coletiva com o Sindicato da Categoria Profissional dos empregados.
 
A partir da Reforma Trabalhista, passou-se a admitir, além do Banco de Horas negociado com os Sindicatos (de fechamento anual), também aqueles negociados individualmente com os empregados (contudo, de fechamento semestral), ou mesmo os de acordo tácito (fechamento mensal).
 
A MP 927/2020, contudo, autorizou a interrupção das atividades do empregador, com a compensação das jornadas de trabalho não realizadas nesse período, em um prazo de até 18 meses contados a partir do encerramento do estado de calamidade pública.
 
Esse regime, contudo, deverá ser objeto de acordo, coletivo ou individual, não sendo obrigatória a participação do Sindicato na sua negociação.
 
É importante destacar que os salários do período em que o empregado não cumpra suas jornadas de trabalho, ou que as cumpra com carga reduzida, são devidos integralmente, uma vez que a ausência de labor (ou mesmo eventual excesso) será objeto de compensação futura.
 
No mais, permanecem válidos os limites para a realização de horas extras, não superiores a 2 por dia, e desde que não implique na realização de jornadas de trabalho de mais de 10 horas.
 
Exigências Administrativas em Segurança e Saúde no Trabalho
 
Faz parte da rotina de departamentos de Recursos Humanos exigir o acompanhamento periódico do estado de saúde dos empregados, através de exames que atestem a higidez e a aptidão para o trabalho.
 
No entanto, sendo ainda uma doença sem cura, as principais orientações para o combate à COVID-19 e à sua transmissão têm sido a redução de deslocamentos, evitando-se aglomerações e os contatos sociais.
 
Os próprios profissionais da área da saúde, inclusive, recomendam que se evitem hospitais e postos de saúde, exatamente em razão do alto risco de contágio da doença.
 
Dessa forma, justifica-se a medida adotada pela MP 927/2020, que suspendeu a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, e que deverão ser realizados no prazo de 60 dias do encerramento do estado de calamidade pública.
 
Exceção, apenas, faz-se com relação ao exame médico demissional (salvo caso o último exame médico ocupacional indicando higidez do empregado tenha sido realizado dentro de 180 dias), uma vez que a ausência de aptidão para o trabalho pode, eventualmente, ser obstáculo para a própria rescisão do contrato de trabalho.
 
Igualmente, caso o médico coordenador do Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional (PCMSO) considerar que a prorrogação represente risco para a saúde do empregado, deverá indicar ao empregador a necessidade de sua realização.
 
Outra flexibilização trazida pela MP 927/2020, também visando a redução de deslocamentos e contatos sociais dos empregados, diz respeito à obrigatoriedade de realização de treinamentos periódicos e eventuais previstos nas Normas Regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho.
 
Durante o estado de calamidade pública, esses treinamentos poderão ser realizados na modalidade de ensino a distância, desde que observados os conteúdos práticos, e garantindo-se que as atividades sejam executadas com segurança, ou poderão permanecer suspensos, devendo ser realizados no prazo de 90 dias do encerramento do estado de calamidade pública.
 
Por fim, as Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPA) poderão ser mantidas até o término do estado de calamidade pública, havendo a possibilidade, por sua vez, de suspensão dos processos eleitorais que eventualmente estejam em curso.
 
“Lay-Off” e Direcionamento do Empregado Para Qualificação
 
O artigo 476-A da CLT já previa a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho para a participação do empregado em programa de qualificação (“Lay-Off”), por um período de 2 a 5 meses, mediante negociação coletiva com o Sindicato da Categoria Profissional do empregado, bem como a aquiescência formal do trabalhador.
 
A MP 927/2020, por sua vez, faculta a participação do Sindicato na negociação do “lay-off”, mas mantém a necessidade de anuência do trabalhador, até mesmo com base no princípio da inalterabilidade do contrato de trabalho, o qual, conforme previsão contida no artigo 468 da CLT, destina-se a evitar modificações na relação empregatícia que possam trazer prejuízos ao empregado.
 
Na previsão da MP 927/2020, contudo, o prazo máximo para a suspensão do contrato de trabalho é de apenas 4 meses (e não de até 5 meses, como prevê a CLT), sendo que o curso ou programa de qualificação profissional não poderá ser ministrado de forma presencial, exatamente para se evitar deslocamentos e contatos sociais.
 
No período de suspensão do contrato de trabalho, poderá ainda ser livremente pactuada a concessão de uma ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial.
 
Igualmente, nesse período, o empregado fará jus aos benefícios voluntariamente concedidos pelo empregador, mas que não integrarão o contrato de trabalho.
 
Permanecem válidas, no mais, as disposições da CLT, notadamente seu artigo 471, que prevê que o empregado afastado terá assegurado, quando do seu retorno ao trabalho, as vantagens concedidas à sua categoria profissional no período de sua ausência.
 
Outrossim, na hipótese do empregado ser dispensado durante a suspensão contratual, ou nos 3 meses subsequentes ao seu retorno ao trabalho, serão devidas ao empregado, além das parcelas indenizatórias previstas na legislação em vigor, multa eventualmente estabelecida em convenção ou acordo coletivo, sendo fixada, no mínimo, ou na ausência de sua previsão, no importe de 100% do valor da última remuneração mensal anterior à suspensão do contrato.
 
Diferimento do Recolhimento de FGTS
 
A MP 927/2020 possibilitou, também, maior flexibilidade no recolhimento do FGTS das competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento originariamente previsto, respectivamente, em abril, maio, e junho de 2020.
 
O pagamento das referidas parcelas poderá ser realizado em até 6 parcelas mensais, com vencimento a se iniciar em 07/07/2020, sem a incidência de juros e atualização monetária.
 
Contudo, eventual rescisão do contrato de trabalho, antes da quitação dos recolhimentos de FGTS referidos pela MP 927/2020 (competências de março, abril e maio de 2020) resolverá a suspensão, obrigando-se o empregador a recolher os valores devidos, ainda que sem a incidência de juros e atualização monetária.
 
Profissionais e Estabelecimentos da Área da Saúde
 
Exclusivamente para os estabelecimentos da área de saúde, mesmo no trabalho em condições insalubres, e mesmo para os profissionais que já realizem escalas de trabalho de 12x36 horas, as jornadas de trabalho poderão ser prorrogadas mediante acordo individual escrito.
 
A MP 927/2020 prevê, ainda, a possibilidade de adoção de escalas de horas suplementares entre a 13ª e a 24ª hora do intervalo de 36 horas que se segue na escala de 12x36 horas, sem que isso implique em penalidade administrativa, e desde que respeitado o descanso semanal remunerado.
 
Esse labor extraordinário, inclusive, e como já acima mencionado, poderá ser compensado através de banco de horas nos 18 meses que se seguirem após o término do estado de calamidade pública.
 
Outro ponto trazido pela MP 927/2020 diz respeito à natureza da COVID-19, que não será considerada doença ocupacional, salvo se comprovado nexo de causalidade entre as atividades do empregado e a doença – tal como já seria para os casos não relacionados no Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP).
 
Por fim, reitera-se que aos profissionais da área de saúde, como já acima dito, as férias ou licenças não remuneradas, ainda que já comunicadas, poderão ser suspensas pelo empregador, mediante notificação do empregado, preferencialmente, com antecedência de 48 horas.
 
Processos Administrativos e Fiscalização do Trabalho
 
A MP 927/2020 prevê, também, a suspensão, pelo período de 180 dias, dos prazos para apresentação de defesa e recurso nos processos administrativos originados de Autos de Infração trabalhistas e notificações de débito de FGTS.
 
Quanto à fiscalização do trabalho, a MP 927/2020 também prevê que os Auditores Fiscais do Trabalho do Ministério da Economia atuarão de maneira orientadora, exceto quanto às irregularidades no registro de empregado a partir de denúncias, irregularidades imediatamente relacionadas à configuração da situação de grave e iminente risco ao trabalhador, irregularidades imediatamente relacionadas às causas de acidente de trabalho fatal apurado por meio de procedimento fiscal de análise de acidente, e trabalho em condições análogas às de escravo ou trabalho infantil.
 
Prorrogação de Norma Coletiva
 
A MP 927/2020 também prevê que, mesmo sem a participação dos Sindicatos, as normas coletivas (Acordo Coletivo de Trabalho ou Convenção Coletiva de Trabalho) poderão ser prorrogadas, a critério exclusivo do empregador.
 
Antecipação do Abono Anual Para os Beneficiário do INSS
 
Apesar de se tratar de matéria de seara previdenciária, a MP 927/2020 também determinou a antecipação do Abono Anual dos beneficiários do INSS (que se assemelha à gratificação natalina dos empregados).
 
Para o beneficiário do INSS que recebeu auxílio-doença, auxílio-acidente ou aposentadoria, pensão por morte ou auxílio-reclusão, durante este ano, o Abono Anual será pago em duas parcelas.
 
A primeira parcela corresponderá a 50% do benefício (seja ele qual for) devido em abril, pago juntamente com o benefício da competência de abril, e a segunda parcela corresponderá à diferença entre o valor total do abono anual e o valor da parcela antecipada, e será paga juntamente com o benefício da competência de maio.
 
Redução Salarial
 
A MP 927/2020, a despeito do quanto anteriormente noticiado pelo Governo, não tratou da redução de jornada e salários.
 
Isso, de certo, tratou-se de respeito ao artigo 7º, inciso VI, da Constituição Federal, que prevê a irredutibilidade salarial, excetuando-se apenas o disposto em convenção ou acordo coletivo, ou seja, mediante necessária participação do Sindicato da Categoria Profissional dos empregados.
 
Conclusão
 
Como já se percebe, a atual e reconhecida situação de estado de calamidade pública traz novos desafios para toda a sociedade.
 
Em um primeiro momento, é necessário combater a COVID-19 e a proliferação do novo coronavírus, o que, como inclusive já vem sendo adotado, tanto por alguns municípios e estados, quanto por boa parte da iniciativa privada, impõe a diminuição ou encerramento de atividades econômicas, com a finalidade de se evitar deslocamentos e contatos sociais.
 
Mas é importante também nos prepararmos para evitarmos maiores prejuízos na crise se seguirá à superação da doença – posto que certamente a venceremos – e a MP 927/2020 apresenta algumas medidas voltadas às relações de trabalho mais concretas àquelas que já dispúnhamos, tanto para garantir a sobrevivência do empresariado, quanto para a manutenção do emprego.
 
Nunca é demais lembrar que os contratos, inclusive os de trabalho, devem ser regidos pelo princípio da boa-fé, de modo que, seja qual for a medida eventualmente adotada, trazida pela MP 927/2020 ou não, é imperiosa a sua observância.
 
Dessa forma, e ainda que sabidamente o risco do negócio seja inerente ao empregador, a MP 927/2020 apresenta novas e efetivas possibilidades de negociação do contrato de trabalho, sendo necessário, principalmente no que concerne à anuência dos empregados, o mútuo acordo nas estratégias que forem tomadas. 

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