Fonte: Agência Senado
Espionagem de jornalistas, funcionários e
lideranças de organizações sociais; infiltração de pessoas em movimentos
sociais e sindicais para obter informações privilegiadas e que contaram até
mesmo com o auxílio de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin)
para treinamento; e pagamento de propina a agentes públicos. Estas foram
algumas das acusações feitas pelo ex-funcionário André Almeida à mineradora
Vale S.A, durante audiência pública da Comissão de Direitos Humanos (CDH)
realizada nesta quinta-feira (24).
Para André, que afirma ter trabalhado na área de
segurança da empresa e vivenciado as práticas citadas, mesmo antes de ser
privatizada a Vale já monitorava quem a interessasse, mas o método foi
intensificado durante a gestão de Roger Agnelli, entre 2001 e 2011, e continua
na atual administração.
Vale espionou funcionários e líderes sindiciais, denunciou André Almeida
Segundo o ex-funcionário, sempre na busca por
lucros e com o intuito de neutralizar quem pudesse expor as violações de
direitos humanos cometidas para esse enriquecimento – como os acidentes nos
trilhos da Vale, sempre classificados como suicídios, isentando-a de pagar
multas –, propinas eram pagas a funcionários de órgãos de segurança do governo,
sigilos bancários eram quebrados, informações sigilosas do sistema Infoseg, do
governo, eram acessadas e grampos telefônicos e dossiês contra políticos e
representantes de movimentos sociais eram elaborados.
– O que a Vale gasta anualmente para monitorar seus
empregados, os movimentos sociais diversos e políticos, poderia ser gasto com
as comunidades se ela saísse de seu pedestal e conversasse com os movimentos –
declarou.
Para o advogado do ex-funcionário, Ricardo Ribeiro,
as acusações podem ser provadas por fotografias, notas fiscais e planilhas
apresentadas à justiça na representação que move contra a Vale desde março de
2013. Ele foi demitido um ano antes. De acordo com Ricardo, foi “criado um FBI
dentro da Vale, onde pode tudo, se investiga tudo”.
Apesar de convidada para a audiência, a Vale não
enviou representante para apresentar a defesa da instituição durante a
audiência. A presidente da comissão, senadora Ana Rita (PT-ES) afirmou que
cobrará por escrito a manifestação da empresa e os resultados da investigação e
auditoria internas que, segundo André, foram realizadas.
Código da Mineração
Dom Guilherme Werlang, presidente da Comissão
Pastoral para os Serviços de Caridade, Justiça e Paz da CNBB, lamentou a falta
de debate público sobre os impactos que a indústria da mineração causa às
populações vizinhas às áreas de exploração. Segundo ele, o poder econômico
jamais pode ser sobreposto ao valor da vida do planeta, do meio ambiente, do
ecossistema e das pessoas. Também repudiou o monitoramento ilegal denunciado,
que comparou com práticas que remontam ao período da ditadura brasileira e
afirmou ser o diálogo a única saída para evitar perdas de ambos os lados.
O religioso disse que está bastante
preocupado com a discussão do Marco Regulatório da Mineração na Câmara dos
Deputados, porque, em sua opinião, tem priorizado o aspecto econômico da
extração mineral, em detrimento dos aspectos sociais, ambientais, espirituais e
culturais dos territórios e das populações.
- São preocupantes as ameaças que recaem sobre
comunidades quilombolas, populações tradicionais, pequenos agricultores, áreas
de proteção ambiental, e notadamente a mineração em áreas indígenas sem uma
interação com o Estatuto dos Povos Indígenas, que espera aprovação desde 1991 –
acrescentou.
Gabriel Strautman, coordenador de projetos da ONG
Justiça Global, que monitora as violações de direitos humanos cometidas no
âmbito de grandes empreendimentos e dá assistência jurídica aos atingidos,
também apontou a necessidade de realização de debates sobre os projetos (PLs37/11 e 5807/13), em discussão na comissão especial da Câmara. Ele
entende que, se nada for alterado, a proposta vai ser votada em novembro “a
toque de caixa”.
O representante da Justiça Global disse ainda que a
Vale é uma empresa arrogante, preconceituosa, pouco dada ao diálogo com as
comunidades que estão no caminho de seu lucro e, principalmente, com os
atingidos por ela. Para Gabriel, o Estado é ausente e até mesmo conivente, pois
"financia as ações da mineradora por meio de financiamento público e
permite a flexibilização de leis ambientais para legitimar a atuação
considerada devastadora".
Gabriel estranha a pouca cobertura dada ao caso,
que veio a público em abril. "Poucos meios de comunicação falaram do
problema, e até mesmo os jornalistas espionados, como Vera Durão, do Valor
Econômico, nunca fizeram menção ao assunto", salientou . Na opinião dele,
o poder econômico causou o silêncio, já que a Vale pagara anúncios no jornal.
Investigações
A representação ao Ministério Público, inicialmente
feita via Rio de Janeiro, foi transferida para o Pará, onde está a cargo da
Procuradora da República no estado, Nayana Fadul, que também participou da
audiência pública nesta quinta-feira. A investigação ainda está no início, e os
debates da audiência pública, além dos documentos encaminhados por André
Almeida e Gabriel Strautman, serão analisados e considerados, informou a
procuradora. Além disso, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República e o Ministério da Justiça, que enviaram representantes à audiência,
acompanharão o caso.
Javier Mujica, delegado da Federação Internacional
dos Direitos Humanos (FIDH), lembrou que o Estado brasileiro, de acordo com a
Declaração das Nações Unidas sobre os Defensores dos Direitos Humanos, tem a
obrigação de proteger seus cidadãos contra as violações aos direitos humanos
cometidas por terceiros, incluindo empresas, assim como o dever de adotar as
medidas necessárias para prevenir, investigar, castigar e reparar os
abusos.
Ele sugeriu que o Senado crie uma comissão de
investigação sobre o tema, e pediu que o Ministério Público, o Ministério da
Justiça e a Polícia Federal façam uma investigação séria, livre de pressões e
com conclusão em um prazo razoável.
0 comentários:
Postar um comentário