Fonte: BBC Brasil
A
ONG Oxfam deu início nesta quarta-feira a uma campanha para pressionar as
multinacionais produtoras de alimentos a se responsabilizar pela origem de suas
matérias-primas e deixar de comprar commodities que tenham sido produzidas em
terras em litígio.
De acordo com relatório
elaborado pela Oxfam, o comércio internacional de açúcar tem incentivado
compras e expropriações de terras em países como o Brasil, contribuindo para
conflitos agrários e prejudicando comunidades indígenas e pequenos produtores.
O documento divulgado pela
ONG diz que muitas das terras adquiridas para a produção de açúcar na última
década "estão relacionadas a violações dos direitos humanos, perda dos
meios de subsistência e fome para os pequenos produtores e suas famílias".
Representantes do setor
argumentam, no entanto, que a Justiça brasileira ainda não tomou decisão
definitiva quanto à posse das terras em questão e aguardam uma posição das
autoridades para rever a compra de produtos cultivados nestas áreas.
O Brasil, maior produtor de
açúcar, é citado em dois casos pelo relatório: em Pernambuco, segundo a Oxfam,
uma comunidade de pescadores perdeu o acesso a suas terras após ter sido
expulsa para dar lugar a uma usina de produção de açúcar que supre gigantes do
setor.
ONG quer que compradores de açúcar evitem áreas que estão em litígio
E, no Mato Grosso do Sul, o
relatório diz que "há claros elos entre a expansão do agronegócio e o
extraordinário nível de violência contra populações indígenas".
Os produtores de açúcar da
região dizem que a ideia de um boicote não faz sentido porque a eventual
ocupação irregular de terras seria um crime sob a lei brasileira e teria sido
denunciada pelo Ministério Público Federal - o que, segundo eles, não
aconteceu.
"Desconheço processos
relacionados a isso no Mato Grosso do Sul", afirma Carlo Daniel
Coldibelli, assessor jurídico da Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária
do Mato Grosso do Sul).
Relatos
de violência
A Oxfam argumenta que, ao
mesmo tempo em que a área cultivada com cana-de-açúcar triplicou entre 2007 e
2012, o Mato Grosso do Sul passou a apresentar "a maior taxa de violência
contra índios - 37 dos 60 deles assassinados no Brasil no ano passado foram
mortos no Estado", segundo dados fornecidos por grupos como a Pastoral da
Terra e o Conselho Indigenista Missionário.
O antropólogo Marcos Homero
Ferreira Lima, do Ministério Público Federal no Mato Grosso do Sul, diz que
muitas das mortes registradas no Estado se devem a conflitos agrários entre os
próprios índios, que passam a disputar entre si as terras não ocupadas pelos
cultivos.
Mas até mesmo esses
conflitos internos são consequência indireta da concentração fundiária na
região e da lentidão em demarcar terras para confirmar sua posse, segundo
Ferreira Lima.
"Com a valorização dos
terrenos, (produtores) tentam impedir que eles se tornem território indígena e
lançam mão de artifícios, como recursos na Justiça, para evitar
demarcações", diz o antropólogo à BBC Brasil. "Os ânimos têm se
acirrado bastante."
Ao mesmo tempo, acrescenta
Ferreira Lima, o Estado é omisso em garantir a segurança dos indígenas, o que
também tende a criar um ambiente propício à violência.
O governo brasileiro rejeita
a alegação de omissão na demarcação de terras e diz que busca uma alternativa
para viabilizar um acordo entre as partes envolvidas na disputa por terras.
O Ministério da Justiça
criou recentemente um grupo de trabalho para rever o processo de identificação
das terras e fazer uma avaliação financeira de áreas em disputa.
Após as primeiras reuniões
do novo grupo, o ministro José Eduardo Cardozo afirmou que "não há uma
solução uniforme" para o problema e que, em alguns casos, só um acordo
entre as partes envolvidas pode evitar que os conflitos sejam prolongados pela
lentidão da Justiça.
Avanço
agrícola
Segundo a Oxfam, os
indígenas também estariam sendo afetados pelo desmatamento provocado pelo
avanço agrícola, pelos pesticidas usados nos cultivos e pelo trânsito gerado
pelas plantações, que teria causado acidentes na região.
A ONG cita especificamente
uma usina adquirida pela multinacional Bunge em Ponta Porã para a produção de
açúcar e etanol e que, segundo o relatório, adquire sua matéria-prima de
plantações localizadas em áreas indígenas.
A Bunge informou à BBC
Brasil que, como o governo brasileiro nunca oficializou a posse das terras aos
povos indígenas, "a empresa continua a honrar contratos com produtores
para a compra da cana dessas terras".
"Prometemos não renovar
esses contratos (em 2014). Se, até lá, as terras forem consideradas indígenas,
interromperemos as compras imediatamente", diz comunicado da empresa.
A Bunge é fornecedora de
grandes empresas do setor de alimentos que estão entre as que a Oxfam quer
pressionar em sua campanha.
"As grandes empresas de
alimentos e bebidas raramente possuem terras, mas dependem da terra para obter
as matérias-primas de que necessitam, entre elas o açúcar", diz a ONG.
"As empresas do ramo
alimentício precisam reconhecer esse problema com urgência e tomar providências
para garantir que as violações do direitos de populações à terra e os conflitos
agrários não façam parte de suas cadeias de fornecimento."
Políticas
de proteção
A ONG argumenta que
multinacionais do setor "carecem de políticas suficientemente fortes para
impedir que a apropriação e a disputa por terras façam parte de suas cadeias de
fornecimento".
Simon Ticehurst, diretor da
Oxfam no Brasil, diz que a ONG entrou em contato com as matrizes das
multinacionais do setor alimentício e, em alguns casos, houve interesse em
adotar políticas de proteção a pequenos proprietários de terras. "Mas não
sabemos ainda se no nível desejado pela nossa campanha", afirmou.
"Há pouco controle das
empresas, não apenas em relação a terras como também a temas como direitos
trabalhistas", diz Ticehurst. "Mas a questão das terras é o elo mais
frágil."
No mundo, a ONG cita também
conflitos de terras no Camboja e "compras de terra em grande escala"
em países como Moçambique, Sudão e Zâmbia, que podem gerar problemas semelhantes.
No total, diz a ONG, o
comércio mundial de açúcar movimenta US$ 47 bilhões. No ano passado, foram
produzidas 176 milhões de toneladas da matéria-prima.
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