O dano
infligido a um trabalhador acidentado, que restou mutilado, tem reflexos sobre
aqueles com quem ele mantêm ligação afetiva. Isso porque expor o trabalhador a
risco pode comprometer não só sua incolumidade física, diretamente, mas também,
por via reflexa, o patrimônio subjetivo de seus entes.
Com este
entendimento, a 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul acolheu recurso
para reconhecer dano moral por ricochete — ou por afeição —, determinando o
pagamento de R$ 50 mil de reparação à filha de ex-operário aposentado por
invalidez desde 1998. O trabalhador teve suas indenizações determinadas em sentença proferida
em maio de 2006 pela 4ª Vara do Trabalho de Novo Hamburgo, inclusive por dano
moral.
Ao
contrário da sentença que
negou reparação à filha, o colegiado entendeu que este tipo de dano não
necessita de comprovação. ‘‘Se o dano moral relaciona-se ao sofrimento psíquico
que molestou o patrimônio moral por afeição da demandante, o dano é de todo
evidente, prescindindo prova de sua efetiva ocorrência, sendo, pois, in
re ipsa’’, explicou o relator do recurso, juiz convocado Marcos Fagundes
Salomão.
Para o
relator, à época dos fatos, a autora tinha quatro anos de idade e, seguramente,
atravessou sua infância presenciando o sofrimento do pai. Houve, pois,
‘‘evidente constrangimento perpetrado em seu meio social, causado pela nova e
terrível aparência física do pai’’. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 17
de outubro.
Acidente
de trabalho
O imbróglio teve início dia 14 de março de 1998, quando o pai da autora sofreu acidente de trabalho ao operar uma máquina industrial da Termosola Fabricação e Injeção de Plásticos, sediada em Novo Hamburgo, na região metropolitana de Porto Alegre. Como resultado, ele teve todos os dedos amputados da mão esquerda e queimaduras de terceiro grau na totalidade das mãos, inclusive dorso e primeiro terço do antebraço.
O imbróglio teve início dia 14 de março de 1998, quando o pai da autora sofreu acidente de trabalho ao operar uma máquina industrial da Termosola Fabricação e Injeção de Plásticos, sediada em Novo Hamburgo, na região metropolitana de Porto Alegre. Como resultado, ele teve todos os dedos amputados da mão esquerda e queimaduras de terceiro grau na totalidade das mãos, inclusive dorso e primeiro terço do antebraço.
Em vista
do fato, o trabalhador ingressou com Ação Indenizatória na Justiça Comum em
novembro de 1998. Os autos só foram parar na 4ª Vara do Trabalho de Novo
Hamburgo, em função da declinação da competência cível, em outubro de 2005.
Em 31 de
maio de 2006, a então juíza do trabalho Rejane de Souza Pedra — hoje,
desembargadora do TRT — julgou a demanda parcialmente procedente. Condenou o
empregador a: pagar pensão vitalícia correspondente a 40% do salário percebido
à época do acidente, devidamente atualizado; constituir um capital para
garantir o cumprimento da obrigação alimentar; reparação moral no valor de 60
vezes o salário-mínimo — R$ 7,2 mil.
A
magistrada ainda determinou ao empregador que custeasse o tratamento
médico-hospitalar, para a tentativa de regeneração, assim como as cirurgias
plásticas na mão e antebraço. Ou seja, a empresa foi compelida a arcar com o
custo do tratamento, observada a sua proporção de culpa no episódio — dois
terços, segundo apurou o juízo.
Posteriormente,
a 3ª Turma do TRT, em acórdão assinado em 22 de novembro de 2006, reformou
parte da sentença. Atendendo recurso da empresa, o colegiado excluiu a condenação
ao pagamento de despesas com tratamento médico-hospitalar. E, também por
unanimidade, deu parcial provimento ao pedido do autor para fixar a pensão
vitalícia em 100% dos ganhos; e aumentar a indenização por dano moral para 120
salários-mínimos — R$ 10 mil à época dos fatos.
Reparação
moral
Quatro anos depois desta decisão, a filha do trabalhador — já aposentado por invalidez — ajuizou Ação de Indenização por Danos Morais em face daquele acidente. Na época, a autora tinha pouco mais de quatro anos de idade.
Quatro anos depois desta decisão, a filha do trabalhador — já aposentado por invalidez — ajuizou Ação de Indenização por Danos Morais em face daquele acidente. Na época, a autora tinha pouco mais de quatro anos de idade.
Em suas
razões, afirmou que passou toda a infância sem poder ter o colo do pai, em
razão da condição física deste. Alegou que tinha vergonha de ir com ele ao
colégio, pois sabia que seus colegas iriam caçoar da sua aparência, além das
chacotas. Disse que sofreu preconceito e discriminação, especialmente por parte
dos colegas de escola. Atribuiu à causa o valor de R$ 150 mil.
Sentença
improcedente
A juíza Déborah Madruga Costa Lunardi, da 4ª Vara do Trabalho de Novo Hamburgo, afirmou na sentença que não ficou demonstrado qualquer dano à esfera íntima da autora que pudesse amparar pedido indenizatório.
A juíza Déborah Madruga Costa Lunardi, da 4ª Vara do Trabalho de Novo Hamburgo, afirmou na sentença que não ficou demonstrado qualquer dano à esfera íntima da autora que pudesse amparar pedido indenizatório.
Para
tanto, citou o laudo assinado por perito especialista em Psiquiatria. Parte do
documento revela: ‘‘Não há qualquer indicativo de transtorno mental no exame da
periciada. Pelo contrário, trata-se de uma adolescente saudável, que consegue
manter relações interpessoais favoráveis (...). No caso em tela, não há
qualquer indício de que o acidente do trabalho do pai tenha trazido qualquer
consequência ao seu desenvolvimento’’.
A
magistrada também comentou as respostas aos ofícios expedidos pelo juízo às
escolas em que a autora estudou. Todas se manifestaram pela inexistência de
danos psíquicos ou mesmo de acompanhamento psicológico. Ou seja, foram unânimes
em negar a ocorrência de queixas por parte da autora ou de sua família quanto à
ocorrência de discriminação e preconceitos por parte de colegas de aula, em
razão da aparência da mão esquerda de seu pai.
‘‘Em
sendo da autora o ônus da prova quanto à ocorrência dos fatos articulados na
petição inicial (artigos 818 da CLT e 333, inciso I, do Código de Processo
Civil), não se desonerou satisfatoriamente, de sorte que a pretensão merece
indeferimento’’, afirmou a juíza.