Em dois a três anos, 60 usinas
de açúcar e etanol, das 330 que processam 90% de toda a cana do País, deverão
interromper atividades
Das 330 usinas de açúcar e etanol da Região Centro-Sul do Brasil,
responsáveis por 90% de toda a cana-de-açúcar processada no País, 60 deverão
fechar as portas ou mudar de dono nos próximos dois a três anos, de acordo com
a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). A entidade tem confirmação de
que pelo menos dez deixarão de processar a safra 2013/2014, por dificuldades
financeiras.
Desde 2008, quando começou a crise financeira mundial, nenhuma
decisão de instalação de nova usina foi tomada no País. Só quatro unidades
estão previstas para entrar em operação até 2014, mas são projetos que foram
decididos antes da crise.
Em contrapartida, 36 usinas entraram em recuperação judicial
nesses cinco anos. Pior: no mesmo período, 43 foram desativadas, e a grande maioria
jogou a toalha nos últimos dois anos.
Em recuperação judicial desde 2010, a usina Floralco, do município
de Flórida Paulista, no oeste do Estado de São Paulo, por exemplo, decidiu
encerrar suas atividades em dezembro de 2012. Cerca de 2 mil trabalhadores
ficaram sem receber o último salário e a segunda parcela 13º.
Além da dívida salarial, a empresa não depositava o Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) dos trabalhadores nem a contribuição ao
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), há mais de um ano.
“Estamos aguardando a conclusão das negociações de venda da usina,
para ver se ela vai voltar a fazer safra e normalizar a situação dos
funcionários”, diz Milton Ribeiro Sobral, presidente do Sindicato dos
Trabalhadores nas Indústrias Químicas Farmacêuticas e Fabricação de Álcool,
Etanol, Bioetanol, Bicombustível de Presidente Prudente e Região.
Com dívida superior a R$ 200 milhões, a Floralco recebeu uma
oferta de compra à vista, de US$ 148 milhões, da Lanetrade, trading americana
com operação global nos mercados de açúcar, café e outros alimentos. O prazo
para depósito do pagamento vencia na última sexta-feira, mas a Justiça
prorrogou por mais 15 dias. Se o negócio não vingar, uma assembleia de credores
decidirá o destino da empresa.
Efeito cascata. A crise se alastra pelas usinas, causando estrago
no emprego e na atividade econômica das microrregiões onde as destilarias estão
localizadas. Em 2012, o setor sucroalcooleiro eliminou mais de 18 mil postos de
trabalho no País, segundo levantamento do Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), feito com base em dados do
Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do
Trabalho. O quadro tende a se agravar este ano.
“A situação do setor é
complicada”, afirma Antonio de Pádua Rodrigues, diretor técnico da Unica. Como
em qualquer setor de atividade, há problemas de má gestão das empresas, mas a
grande dificuldade, segundo ele, é a questão da perda de produtividade
agrícola.
Além de faltar recursos para renovar e ampliar o canavial, as
usinas colheram três safras consecutivas afetadas por problemas climáticos, o
que aumentou o custo. Também tiveram de investir na mecanização do plantio e
colheita da cana. Para piorar, o setor alega não ter como repassar o aumento de
custo para o preço, por causa da concorrência da gasolina e dos preços do
açúcar fixados no mercado internacional. Custos em alta e margens comprimidas
resultam em aumento do endividamento.
Nem mesmo o reajuste recente no preço da gasolina foi suficiente
para trazer alívio às usinas, diz a Unica. A Petrobrás reajustou em 6,6% o
valor cobrado pelo combustível, o que teve impacto, para o consumidor, entre
4,2% e 5,3, segundo especialistas.
“Evidentemente, pode proporcionar um aumento de 4% no etanol, mas
o mercado é muito disputado e nada garante que vá ficar com o produtor”, diz o
diretor da entidade. “Se o posto ou o distribuidor aumentar sua margem, o
produtor vai ficar com zero”, reclama o executivo.
O impasse econômico deve elevar o endividamento do setor
sucroalcooleiro para R$ 56 bilhões ao final da safra 2013/2014, conforme
levantamento do Itaú BBA. A dívida deve crescer R$ 4 bilhões em relação aos
valores da safra anterior (R$ 52 bilhões) e se aproximar do faturamento das
usinas do Centro-Sul, estimado em cerca de R$ 60 bilhões.
O diretor comercial do Itaú BBA, Alexandre Figliolino, estima que
um terço do setor sucroalcooleiro passa por dificuldades. Ele divide o setor em
quatro grupos distintos. O primeiro, formado por grandes grupos, principalmente
internacionais, com pleno acesso ao capital. Outro, de empresas nacionais com
bom desempenho. O problema está, segundo ele, no terceiro e no quarto grupos.
Setor cobra política de longo prazo para o etanol
A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) espera que o
governo dê sinais claros de que investirá no etanol. Medidas pontuais são
importantes, mas a preocupação do setor é centrada no longo prazo, afirma
Antonio de Pádua Rodrigues, diretor técnico da entidade.
“Muito mais importante é a definição clara de qual é a
participação do etanol na matriz de combustíveis do País. Precisa haver mais
segurança e previsibilidade para o empresário no médio e no longo prazos. Para
nós, definido isso, as coisas de curto prazo serão factíveis para chegar lá na
frente”, argumenta o executivo da Unica.
Hoje, segundo ele, a perspectiva de novas usinas no País é zero.
Uma usina de 3 milhões de toneladas de cana representa um endividamento de R$ 1
trilhão. “Como assumir esse investimento sem saber como serão os próximos 15 ou
20 anos?”, questiona o diretor da Unica. “Com essas incertezas todas, não é
para ninguém retomar o investimento”, afirma.
O governo fala em um novo regime para a indústria do etanol, que
incluiria um conjunto de desonerações tributárias. As usinas, por sua vez,
teriam que atender a uma série de metas e compromissos do setor.
Falta de diálogo. “O problema é que o governo não conversa nem com
os trabalhadores nem com as usinas”, afirma Sergio Luiz Leite, presidente da
Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas e Farmacêuticas do Estado
de São Paulo (Fequimfar). “Temos tentado, sem sucesso, sentar com o governo,
junto com o setor, para discutir medidas capazes de tornar o etanol mais
competitivo.”
O sindicalista também
defende contrapartidas da indústria do combustível. “A gente sabe que o setor
do etanol não é nenhum santo e queremos vincular isso a compromissos de
manutenção de postos de trabalho e de qualificação profissional, entre outros”,
cita Leite. “Como não temos interlocução, o remédio do governo pode vir tarde
para muita gente.”
Por enquanto, o governo
decidiu antecipar o aumento da mistura de etanol anidro (com até 1% de água) na
gasolina de 20% para 25%, que estava programado para 1.º de junho. A elevação
será antecipada para 1.º de maio. Estima-se que o aumento do porcentual na
gasolina deverá elevar a demanda pelo etanol anidro no País dos atuais 8
bilhões de litros para 11 bilhões de litros por ano.
Fonte: MARCELO REHDER – O Estado de S. Paulo
0 comentários:
Postar um comentário