Vale ignorou risco desde 2016, aponta Ministério do Trabalho



A barragem I da Vale na mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, deveria ter paralisado totalmente suas atividades em julho de 2016, três anos antes da tragédia que matou 249 pessoas e ainda deixa 21 desaparecidas desde janeiro deste ano.

A conclusão é do relatório de ação fiscal da Superintendência Regional em Minas do Ministério do Trabalho. O estudo foi revelado nesta quarta-feira (25), dia em que o desastre completou oito meses. Ao todo, a Vale recebeu 21 autos de notificação e pode recorrer de todos.

Em um documento de 400 páginas, resultado de oito meses de investigação, dez auditores mostraram que a mineradora ignorou totalmente a informação de que os índices de segurança estavam bem abaixo do mínimo necessário desde 2016. A interrupção total da mina, com a retirada dos trabalhadores e o envio de um alerta à população local sobre os riscos de rompimento, de acordo com os técnicos, evitariam a maior tragédia da história da mineração brasileira. O relatório apontou nove erros que contribuíram para o rompimento.

Segundo o auditor fiscal do trabalho Marcos Ribeiro Botelho, o principal motivo do desastre foi o excesso de água na estrutura. Realidade que a Vale viu documentada em julho de 2017 e, mesmo assim, não atuou. “As diretorias da Vale tinham conhecimento de tudo isso. Fizeram um projeto de poços profundos para rebaixar a linha d’água, mas não tiveram tempo para implementá-lo. Tinha muita água na barragem, e a Vale não adotou nada para tornar a drenagem eficiente. Acreditamos que a estrutura se liquefez, sendo esse o gatilho para toda a tragédia”, atestou o auditor. 

Os problemas da barragem, conforme ele afirmou, começaram em 1976, quando a estrutura foi construída e não havia drenagem do dique.

Ao todo, 315 famílias foram retiradas de suas casas pela Vale desde fevereiro. Além de Barão, há pessoas fora de casa em Macacos, distrito de Nova Lima, e Itabirito. Juntando com os atingidos de Brumadinho, onde houve o rompimento da barragem I da mina de Córrego de Feijão, que matou 270 pessoas e hoje completa oito meses, são 1.200 pessoas desalojadas. As pessoas estão vivendo em casas alugadas pela mineradora, hotéis ou de favor com parentes.

Em Barão de Cocais, 196 famílias da Zona de Autossalvamento (ZAS) estão fora de casa. Questionada sobre quantos desses moradores estão entre os que terão que esperar pelos cinco anos até a conclusão total do descomissionamento, a Vale se recusou a dar a informação. A empresa apenas disse, em nota, que a obra principal de construção de uma barreira de concreto com 36 m de altura e 306 m de extensão, a 6 km da barragem, estará concluída em dezembro. “As famílias receberam os imóveis reformados, limpos, mobiliados e abastecidos com alimentos e materiais de higiene pessoal”, informou.

Multas
Atualmente, há nove barragens da Vale interditadas em todo o Estado. Os valores de futuras multas ainda serão calculados de acordo com cada infração. 

Os erros da Vale

Veja os nove fatores que a Superintendência Regional do Trabalho apontou como cruciais para o rompimento da barragem I da mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho:

1. Nível excessivo de água
A falta de adoção de medidas para baixar o nível de água da estrutura levou a barragem a índices altíssimos de preenchimento. Relatórios de junho de 2017 já apontavam a necessidade de reduzir o volume. Pelos cálculos dos auditores, para bombear toda a água excedente àquela época, a Vale levaria um ano e meio para retirar todo o líquido se trabalhasse num ritmo de 98 m³ por hora, o que equivale a 12 caminhões-pipa lotados a cada hora. 

2. Geologia local desconhecida
Segundo o relatório, os problemas nas estrturas começaram já na construção da barragem, na década de 70. O dique inicial, que é a primeira barreira feita para conter rejeitos e que serve de base para sustentar mais alteamentos (ampliação do reservatório), não contava com drenagem.

3. Lançamento de rejeitos e largura de praia
O material arenoso dos rejeitos deveria ser depositado formando uma praia, mas, de 2002 a 2011, essa estrutura não existia. Em 2012, uma praia começou a ser formada, porém em tamanho menor do que o ideal. Além disso, materiais finos como argila, que tem pouca permeabilidade, foram lançados de forma inadequada. Outra questão: a bomba de água de nascentes estava com problemas de manutenção e parava de funcionar.

4. Sistema de drenagem (interno e superficial) insuficiente e malconservado
Foram detectados vazamentos com a presença de rejeitos, o que indicava a formação de vazios dentro da barragem. Na estrutura, havia drenos de PVC, que foram quebrados pela atividade de pasto de 80 cabeças de gado.

5. Demora no rebaixamento efetivo da linha freática
De acordo com os auditores, havia muita água na barragem, e a Vale não adotou medidas para tornar a drenagem eficiente. A principal causa da fragilização da estrutura foi o aumento da linha freática dela (infiltração e retenção de água, que deveria ter sido escoada pela drenagem).

6. Existência de anomalias recorrentes
Foram encontradas 99 anomalias, que se repetiam a cada 15 dias. Entre as irregularidades apontadas se destacavam o assoreamento de canaletas, trincas nas estruturas e a bacia de dissipação sem funcionar.

7. Falhas em planos de emergência
Consultorias realizadas a pedido da Vale propuseram a perfuração de poços de rebaixamento e a criação de uma contenção externa por diques, mas nada disso foi feito. A mineradora optou por implementar drenos horizontais profundos, com a escavação atingindo 100 m de profundidade até o rejeito, mas a medida não surtiu efeito.

8. Auscultação (piezômetros, indicadores de níveis de água, inclinômetros) deficiente
Foram detectadas também manobras que sugerem maquiagem de números para a emissão de Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) a fim de que a estrutura pudesse ser liberada pelos órgãos fiscalizadores. O fator de estabilidade, que deveria ser igual ou superior a 1,30, chegou a 0,93 em julho de 2016. Nessas condições, segundo os auditores, as atividades da mina deveriam ter sido interrompidas, com a retirada de todos os trabalhadores e a emissão de um alerta à comunidade local.

9. Gestão de segurança e saúde no trabalho precárias
Outro problema indicado pelo relatório foi a localização errada do almoxarifado, dos escritórios e do refeitório da mina, erguidos abaixo da barragem, o que impediu a fuga das pessoas após o rompimento.

Penalidades 
Ao todo, foram emitidos 21 autos de infração. Em todos, a Vale pode recorrer.

Fonte: O Jornal o TEMPO

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