Desde a entrada em vigor da nova lei trabalhista, em novembro de 2017, até julho deste ano, foram criadas 101,6 mil vagas na modalidade de trabalho intermitente, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério da Economia. O número de postos gerados representa 15,4% do total de vagas criadas no período no país (660.390) – ou seja, quase uma em cada seis vagas criadas foi para a modalidade de contrato intermitente.
Ainda assim, até agora as contratações na modalidade estão bem abaixo da expectativa divulgada pelo governo na época da criação da modalidade, de criar 2 milhões de empregos em 3 anos, ou 55 mil vagas por mês. Enquanto isso, o país tem 12,6 milhões de pessoas desempregadas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Desde a criação do trabalho intermitente, o saldo de vagas da modalidade foi positivo em todos os meses até agora – diferente do total de vagas formais, que chegou a registrar quedas bruscas em alguns momentos.
O contrato de trabalho intermitente é uma prestação de serviços em períodos alternados, e o trabalhador é remunerado de maneira proporcional, somente pelo período trabalhado. Além disso, a prestação de serviços esporádica deve ser registrada em carteira e há direitos trabalhistas previstos como férias e 13º proporcionais e depósito do FGTS (veja mais informações sobre direitos trabalhistas ao final da reportagem).
As empresas, no entanto, apesar de colocarem vários anúncios de vagas intermitentes em sites de emprego, preferem não falar sobre o assunto. A cautela vem do fato de a forma de contratação ainda gerar dúvidas e estar sendo contestada na Justiça. No Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, há cinco ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) contestando a modalidade. Uma delas é da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), que representa 5 milhões de pessoas.
Na ação, a entidade alega que não há garantia de que o intermitente receberá o salário mínimo nem o equivalente ao recebido pelo funcionário da empresa. Por isso, a contratação seria uma forma de empregar mão de obra por um custo menor para realizar o mesmo trabalho dos demais.
A CNTI elenca ainda a necessidade de o trabalhador pagar a diferença ao INSS em caso de receber menos de um salário mínimo – o equivalente a 8% entre o salário recebido e o salário mínimo. “Caso o trabalhador não complemente a contribuição, o mês trabalhado não entra no cálculo para aposentadoria e ele também não terá direito a benefícios previdenciários”, afirma na ação.
Por outro lado, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) deu razão ao Magazine Luíza após o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais considerar nulo o contrato intermitente de um assistente de loja da empresa. O entendimento do TRT de MG foi de que a contratação não deveria servir para atividades rotineiras e contínuas dentro de uma empresa, mas somente em caráter excepcional para não promover a precarização dos direitos do trabalhador.
Mas, para o TST, o trabalho intermitente assegura direitos básicos a trabalhadores que se encontram na informalidade, vivendo de “bicos”, sem carteira assinada e sem garantia de direitos trabalhistas fundamentais, além de combater o desemprego, por causa da flexibilização da forma de trabalho e de remuneração. “Não gera precarização, mas segurança jurídica a trabalhadores e empregadores, com regras claras, que estimulam a criação de novos postos de trabalho”, disse o tribunal na decisão.
A Magazine Luiza tem atualmente 4,2 mil pessoas contratadas no regime intermitente. “Elas são vitais para garantir que o nível de atendimento do Magazine Luiza permaneça alto, mesmo em eventos como Natal, Black Friday, dia dos pais ou promoções criadas pela empresa, quando o número de clientes nas lojas aumenta muito”, informa a empresa.
Segundo a varejista, a modalidade de contratação também é utilizada como banco de talentos. Cerca de 1,8 mil funcionários que entraram na empresa como intermitentes foram efetivados e contratados para cumprir a jornada clássica de 44 horas semanais.
Os setores de comércio e serviços respondem por 72% das vagas intermitentes abertas em 21 meses da lei trabalhista. O setor de serviços concentra a maior parte das vagas: 47% do total (47.661), seguida pelo comércio, com 25% (25.386) – veja no gráfico abaixo:
No entanto, empresas varejistas e de serviços como Renner, Grupo Big (Walmart), Caedu e Park Índigo, apesar de anunciarem vagas intermitentes em sites de emprego, preferem não falar sobre o assunto.
Insegurança jurídica e fraqueza econômica pesam
O economista Thiago Xavier, da Tendências Consultoria, considera que para haver maior adesão a essa modalidade de contrato é preciso criar segurança jurídica para as contratações e melhorar o cenário econômico.
“Não é questão de criar contratos novos. Essa reforma afeta as relações de trabalho, a justiça trabalhista, tenta diminuir a influência da Justiça no papel do mercado, muda as relações dos sindicatos. Não dá para medir o impacto só pelos contratos, mas também por esses outros aspectos”, diz.
Segundo ele, é preciso criar uma jurisprudência que seja definitiva para que as empresas façam a adesão a essa contratação. “Tem que reduzir a insegurança jurídica.”
Para Xavier, a disputa por uma jurisprudência foi mostrada no caso da Magazine Luiza, e a lei deixou brechas para que esse assunto fosse levado aos tribunais. “O tribunal regional alegou que nem todas as atividades são passíveis de contrato intermitente, e na lei não é regulamentado quais atividades podem ter trabalho intermitente”, comenta.
Segundo ele, não há consenso entre tribunais e há desembargadores e advogados falando que a lei tem brechas. “Falta definir esses pontos abertos. Isso afeta a demanda das empresas”, explica.
Para Xavier, a reforma trabalhista não é suficiente para gerar empregos, ela depende do contexto da atividade econômica. “Se a atividade econômica fosse mais robusta, esse impacto seria diferente. Não dá para avaliar o impacto isolando a fraqueza da nossa retomada atual”.
O economista considera importante que as mudanças trabalhistas voltem a ser discutidas, pois a aprovação da lei foi muito rápida. “Uma série de pontos que ficaram em aberto precisam ser rediscutidos, você vê que o mundo também está discutindo isso. Na Califórnia, por exemplo, há a discussão se os motoristas de aplicativo devem ser formalizados. O mundo está enfrentando isso. É uma discussão permanente que temos que fazer”.
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