Os primeiros impactos da pandemia sobre o mercado de trabalho no
primeiro trimestre, ainda que limitados à segunda quinzena de março,
foram suficientes para mudar a tendência da desigualdade salarial no
país, especialmente no Sudeste, mostra levantamento do Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
O índice de Gini da renda domiciliar per capita do trabalho foi de 0,633
no primeiro trimestre de 2020 - o indicador varia de um a zero, sendo
zero a sonhada distribuição perfeita da renda. Trata-se de uma
variação de +0,002 em relação ao mesmo período de 2019, quando o
indicador estava em 0,631
Daniel Duque, economista do Ibre/FGV, explica que uma variação de
0,001 do índice de Gini corresponde à primeira casa decimal de um
número na ordem das dezenas. Isso quer dizer que a variação é
significativa.
“Mas o mais importante é o que ele aponta como
tendência. A desigualdade voltou a apontar para uma piora”, explica
Duque.
Nos últimos anos, a disparidade da renda do trabalho piorou
rapidamente por conta da recessão e pelos empregos de má
qualidade gerados no período de recuperação da atividade
econômica. O índice de Gini aumentou de 0,600 do quarto trimestre
de 2014 para 0,628 no quarto trimestre de 2018.
Recentemente, porém, o ritmo de crescimento da desigualdade estava
em desaceleração. No quarto trimestre de 2019, o indicador chegou a
ensaiar uma melhora, ao recuar para 0,627, ligeiramente abaixo do
mesmo período do ano anterior (-0,001). Especialistas acreditavam no
início de um novo ciclo de melhora a partir de 2020.
Para Duque, a piora do índice no primeiro trimestre está relacionada
aos impactos da pandemia sobre a renda de informais, além do
aumento do número de pessoas ocupadas no setor público, que
recebem melhores salários, conforme dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílio (PNAD) Contínua, do IBGE.
“Esses trabalhadores informais estão entre os mais afetados pela
recomendação de isolamento social, porque dependiam da
movimentação de rua. São justamente os de menores rendimentos”,
explica o pesquisador, autor dos cálculos.
“A pandemia já mudou,
portanto, a tendência de desigualdade.”
Uma abertura da desigualdade por diferentes ‘Brasis’ mostra que o
índice cresceu concentrado no Sudeste. Estados de São Paulo e do
Rio foram os primeiros a adotar medidas de distanciamento social. O
Gini da região passou de 0,604 no primeiro trimestre de 2019 para
0,611 no mesmo período de 2020.
O indicador também mostrou uma leve piora na região Nordeste, onde
atingiu 0,686 no primeiro trimestre, de 0,685 no mesmo período do
ano anterior, conforme dados levantados pelo pesquisador. A região é,
historicamente, a de maiores diferenças sociais no Brasil. Nas demais
regiões, o índice teve ainda alguma melhora: no Sul foi de 0,561 para
0,553, no Centro-Oeste, de 0,581 para 0,572, e no Norte, 0,630 para
0,627.
O economista acredita que a distância da renda entre os mais ricos e
mais pobres seguirá crescendo no segundo trimestre. De um lado, os
menos qualificados, empregados no setor de serviços, devem ser os
mais impactados. De outro, trabalhadores do setor público e mais
qualificados tendem a manter seu empregos por meio do teletrabalho.
O pesquisador lembra que os indicadores trimestrais da Pnad
Contínua, do IBGE, que embasaram os cálculos de desigualdade, não
incluem renda de programas sociais, como do Bolsa Família.
Dessa
forma, também não vão captar o rendimento do auxílio emergencial de
R$ 600 que vem sendo pagos pelo governo desde meados de abril.
Dados da Caixa mostram que cerca de 50 milhões de pessoas foram
beneficiadas pelo auxílio emergencial desde meados de abril, com a
transferência total de R$ 35,5 bilhões. Segundo o Dataprev, 16,4
milhões de pedidos estão atualmente sob análise para concessão.
Fonte: FEQUIMFAR
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