Famílias sem moradia ocupam um terreno batizado de Nova Palestina, na zona sul de São Paulo, em janeiro de 2014.
Fonte: Luiz Ruffato/ El País
Os economistas ensinam que para compreender como se organiza o orçamento de um país basta usarmos os mesmos critérios que utilizamos na composição do orçamento doméstico. Temos que adequar a entrada e a saída de dinheiro —se estamos gastando mais do que ganhamos surge a necessidade de cortar despesas para reequilibrar as contas. Em geral, eliminamos os custos supérfluos, ou seja, tudo aquilo que não constitui uma perda irremediável. Adiamos a compra de uma nova geladeira, substituímos uma marca de manteiga, economizamos no consumo de energia elétrica e água.
Diante do baixo desempenho da economia —ou seja, frente à pouca entrada de divisas nos cofres da União por meio de impostos— tornou-se premente realizar ajustes no orçamento. A presidente Dilma Rousseff determinou o corte de cerca de 70 bilhões de reais das despesas previstas, sendo as áreas mais atingidas a saúde (12 bilhões de reais), a educação (9,5 bilhões de reais) e a construção de casas populares (7 bilhões de reais). Se raciocinarmos como sugerem os economistas, podemos deduzir que estes são os setores não prioritários do ponto de vista do governo.
Muito mais que os montantes envolvidos —quase abstratos aos leigos—, e para além das justificativas oficiais, legítimas, o que permanece é o valor simbólico dessa atitude: saúde, educação e moradia são justamente os pilares de qualquer agrupamento que se quer inserido nisso que denominamos civilização. Primeiro, o homem tem que ter garantida a comida —com fome, regressamos ao estatuto de selvagens, não pensamos, agimos por instinto apenas. Depois, tem que ter assegurado um lugar onde se refugiar —sem um teto, perambulamos desenraizados, sujeitos às intempéries. De barriga cheia e vivendo em uma casa, podemos então nos preocupar em adquirir conhecimento e fundar uma civilização, pautada no respeito ao outro e ao meio ambiente e organizada em bases sólidas, cujo fim último é proporcionar aos cidadãos o bem-estar, cuidando de sua saúde nas diversas fases da vida para que possam usufruir dos prazeres cotidianos.
No entanto, o nosso sistema público de saúde é um desastre. A média nacional de leitos hospitalares é de 2,4 por 1.000 habitantes, abaixo do mínimo recomendado pela Organização Mundial da Saúde, de 3 leitos por 1.000 habitantes. Há um déficit de 54.000 médicos e o número de enfermeiros não chega a um por 1.000 habitantes. Além de hospitais superlotados, faltam medicamentos e em muitos os aparelhos estão quebrados ou obsoletos. Leva-se semanas para marcar consultas ou exames, meses para internação ou intervenção cirúrgica —18% de todas as mortes registradas no Brasil são catalogadas como “mal definidas”, ou seja, o atendimento ao paciente foi precário ou não existiu.
No entanto, o nosso sistema público de educação é um desastre. Apenas 27,5% das escolas possuem bibliotecas —seria necessário construir 130.000 bibliotecas até 2020 para cumprir a Lei 12.224, que estabelece a existência de acervos de pelo menos um livro por aluno em cada instituição. Faltam 1,2 milhão de vagas nas pré-escolas. Os alunos, em todas as etapas do ensino, têm aulas em prédios mal conservados e ambiente pouco estimulante; os professores são em número insuficiente, recebem salários baixos e contam com poucos recursos didáticos —ambos, alunos e professores, são acossados pela violência.
Talvez seja ingenuidade minha ou mesmo ignorância, admito, mas não entendo que educação, saúde e construção de casas possam ser os primeiros setores a sofrer cortes, quando todos sabemos que justamente esses necessitariam ser preservados —mais que preservados, deveriam constar como prioridade absoluta. Mais triste ainda é constatar que a corrupção equivale a algo em torno de 2% do Produto Interno Bruto —ou seja, o assalto sistemático aos cofres públicos desvia todo ano cerca de 100 bilhões de reais, um dinheiro equivalente ao orçamento total destinado à saúde e ao dobro do valor reservado à educação...
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