Desde 2010, pelo menos 44 usinas de açúcar e etanol fecharam - 25 apenas em São Paulo. Outras 33 ingressaram na Justiça com pedido de recuperação. E ainda: 12 indústrias do setor informaram que não vão moer cana na safra que se inicia, por considerar que o atual agravaria seu endividamento. As cotações internacionais do açúcar abaixo do custo de produção e a contenção aos preços da gasolina pelo governo federal são algumas das razões que antecipam momentos ainda mais nebulosos para o setor. Segundo os empresários, a crise enfrentada pela indústria sucroalcooleira se agrava a cada ano e, segundo acreditam, é remota a possibilidade de recuperação no curto ou médio prazo.
Os prejuízos não se limitam às usinas. A indústria de base, responsável pela concretização do desenvolvimento tecnológico deste setor, um dos mais admirados e copiados do mundo, foi durante atingida. Com o cancelamento de grande parte das encomendas, em cinco anos o faturamento dessas empresas caiu à metade, o que levou à dispensa de cerca de 50 mil funcionários.
Os dados acima foram divulgados pela União da Indústria da Cana de Açúcar (Unica). A entidade representa 130 usinas de açúcar e álcool, responsáveis por mais de 50% do etanol e 60% do açúcar produzidos no Brasil. Esta não é a primeira crise que desestabiliza as empresas desse setor. Mas a presidente da entidade, Elizabeth Farina, acredita que é a pior e a mais prolongada. A combinação de eventos negativos põe em risco a sobrevivência de empresas, cuja atuação proporciona benefícios à economia, à balança comercial, à segurança energética e ao meio ambiente. Segundo informa, algumas empresas acumulam dívidas cujo valor é igual ou superior ao faturamento de um ano.
Para Celso Junqueira Franco, presidente da União dos Produtores de Bioenergia (Udop), entidade voltada à prestação de serviços ao setor, o descompasso financeiro nas usinas brasileiras é fruto de uma soma de fatores, mas principalmente, resultado de apostas equivocadas feitas pelo governo federal a partir da descoberta de petróleo do pré-sal e por acreditar que a exploração das reservas de xisto nos EUA iria derrubar os preços da gasolina, o que não ocorreu até hoje. A política de valorização da bioenergia foi relegada a segundo plano e a Petrobras passou a oferecer combustíveis a preços incompatíveis com o mercado internacional, diz Franco.
"A gestão Dilma Rousseff está conseguindo, com um só tiro, matar a Petrobras e o setor sucroalcooleiro", declara Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e Coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getulio Vargas. Para ele, o governo age com preconceito e viés ideológico quando o assunto é a indústria de açúcar e etanol. "Ela não gosta dos usineiros e isso a impede de olhar o setor na sua real dimensão."
Quanto à Petrobras, na opinião do ex-ministro, comete o equívoco de tentar controlar a inflação por meio da contenção dos preços da gasolina e do diesel, represando os preços do etanol, além de comprometer seriamente os resultados da estatal. Com isso, segundo afirma, anula o esforço feito pelo seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, de divulgar ao mundo as vantagens da tecnologia desenvolvida pelos brasileiros. Procurado pelo Valor, o Ministério das Minas e Energia não respondeu às perguntas encaminhadas pela reportagem.
Segundo a presidente da Unica, o esforço de levar ao governo os problemas do setor tem se mostrado inócuo. Até mesmo a redução das alíquotas do PIS e da Cofins, em 83% sobre o etanol como forma de adequar o preço do biocombustível ao da gasolina, anunciada em março de 2013, até hoje não foi completamente implementada.
Outra medida adotada, mas que não alcança a maioria das empresas, é a liberação de linhas de crédito para o financiamento dos estoques de etanol pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Como muitas das empresas não conseguiram quitar suas dívidas anteriores, também não conseguem contrair empréstimos novos, exigência estabelecida pela totalidade das instituições financeiras oficiais.
Roberto Rodrigues acredita que a recuperação da cadeia sucroalcooleira começa pela equiparação do preço da gasolina aos atuais níveis internacionais, pelo restabelecimento da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) para recuperar o equilíbrio entre os valores cobrados pelo biocombustível e os derivados do petróleo.
Apesar dos problemas, as usinas iniciaram a atual safra em fevereiro com força máxima na produção de etanol, segundo levantamento da Unica. Até o fim de março, a indústria moeu 4,49 mil toneladas de cana-de-açúcar, mais do que o dobro da safra passada. Desse total, 65,81% foram direcionados à fabricação do biocombustível, o que resultou na produção de 193,08 milhões de litros, sendo 179,98 milhões de litros na forma de etanol hidratado e 20,8 milhões de litros de etanol anidro.
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